Investir em educação seria a solução para as constatações de José Mujica e Achille Mbembe? Contrapondo o capital, poderemos salvar nossa “vir-a-ser” humano em meio a luta desenfreada pelo “vir-a-ter”?
Segundo o relatório de 2018 da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations, a fome aumentou no mundo nos últimos três anos, porém ao compararmos com dados de 2005, a América Latina e Caribe conseguiu reduzir o quadro de desnutrição. Deixamos a marca de 9,1 % de subnutridos em 2005 para 6.1 % em 2017. Destaco a América do Sul que atingiu a marca de 5 % de pessoas subnutridas em 2017.

Esses números, apesar de ainda calamitosos, refletem as políticas de divisão de renda e combate a fome implementadas nesses anos para o combate e a redução da fome como: Fome Zero (Brasil), o Plano Nacional de Alimentação e Nutrição (Colômbia), os programas de segurança alimentar (Venezuela).
Dados como esse justificam as palavras do ex-presidente uruguaio José Mujica em entrevista dada a BBC: “Conseguimos, até certo ponto, ajudar essa gente (pobres) a se tornar bons consumidores. Mas não conseguimos transformá-los em cidadãos.”
Mujica reflete que as políticas ajudaram uma pequena parcela da população a deixar a extrema pobreza, por ser algo urgente, por ser algo imediato em nossas consciências. Entretanto, para o ex-presidente não resolvemos nossos problemas mais básicos, o que resulta em condições brutais de vida.
Do ponto de vista político, o historiador, pensador pós-colonial e cientista político Achille Mbembe nos alerta que a era humanista está no fim. “Outro longo e mortal jogo começou. O principal choque da primeira metade do século XXI não será entre religiões ou civilizações. Será entre a democracia liberal e o capitalismo neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do povo, entre o humanismo e o niilismo”.
Mbembe destaca que a noção humanística e iluminista do sujeito racional capaz de deliberação e escolha será substituída pela do consumidor conscientemente deliberante e eleitor. Essas pessoas, com seus valores arruinados pelo capitalismo neoliberal estão convencidas que seu futuro imediato será uma exposição contínua à violência e a ameaça existencial.
Deixamos de ter valores, afetos e racionalidade para ter dinheiro e comprar tudo aquilo que achamos necessário. Nos fundamentamos e construímos naquilo, que materialmente, consumimos. Os valores tradicionais tornaram-se infundados e a existência perdeu o sentido. Como consumidores, abandonamos o “vir-a-ser” para “vir-a-ter”, nos tornamos inumanos.
O princípio da filosofia Ubuntu me leva a refletir que temos uma saída para as dificuldades apontadas por Mujica e Mbembe. Para Ramose, 1999, ser humano é afirmar a humanidade por reconhecimento da humanidade de outros e, sobre essas bases, estabelecer relações humanas com os outros. Essa base de pensamento precisa ser incorporada à educação.
Ubuntu entendido como ser humano; um humano respeitável e de atitudes cortezas para com outros pode e deve se tornar uma base das relações humanas. Uma base que alicerce a pedagogia para que deixemos de construir consumidores-eleitores para desenvolver cidadãos conscientes de si e dos outros. Cidadão que tenham consciência de sua autonomia.
A educação que desenvolve a autonomia do pensar certo, leva ao fazer certo. Freire, 2016, insiste que a educação e todos aqueles que dela fazem parte, precisam assumir um pensar e fazer com ética. Em nossas escolas estamos criando consumidores ou cidadãos?
A escola, pública ou privada, pautada em valores éticos pode vir a ser o contraponto ao “vir-a-ter”. O investimento na educação formal e não formal que valorize ideais humanísticos e de consciência autônoma do “vir-a-ser” porque o outro é, sendo assim, somos, ou seja, a educação-ubuntu, pode ser uma saída para esse quadro tão desprovido de valores e artificialmente imposto pelo neoliberalismo.
Referencias bibliograficas
Site BBC News|Brasil: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46624102.
Site Instituto Humanista Unisinos: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/564255-achille-mbembe-a-era-do-humanismo-esta-terminando.
FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. 2018. The State of Food Security and Nutrition in the World 2018. Building climate resilience for food security and nutrition. Rome, FAO. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO.
Ramose, Mogobe B. African Philosophy Ubintu. Harare: Mond Books, 1999, pag. 49 – 66. Tradução Arnaldo Vasconcelos.
Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa / Paulo Freire – 53ª ed. - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
Mattei, Lauro. POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À FOME NA AMÉRICA LATINA: evidências a partir de países selecionados – PESQUISA & DEBATE, SP, volume 19, número 1 (33) pp. 85-101, jan./jun. 2008.1.
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