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  • Foto do escritorFilipe Lutalo

Paternidade, Medo e Paternagem


Fotografia: <a href='https://www.freepik.com/photos/dad-daughter'>Dad and daughter photo created by aleksandarlittlewolf - www.freepik.com</a>


Para muitos homens, pensar em ser pai pode ser algo simples, resumido em repetir a expressão “pai é quem cria”. Para outros, assim que sabem que serão alçados a essa condição social, ele nega com todas as formas, pede teste de paternidade, abandona o nascituro, pede para abortar em uma tentativa desesperada de não assumir a responsabilidade.


O dicionário on line Priberam diz que pais é aquele homem “que tem um ou mais filhos, que cria e educa criança ou adolescente que não foi gerado por ele mas com quem estabelece laços paternais e a quem pode estar ligado por vínculos jurídicos”. Ser pai, portanto é um estado definido pela condição de ter um filho ou filha, gerado ou adotado. Completando esse conceito, a paternidade é a condição de ser pai.


Ser pai, no entanto, não contempla os vínculos afetivos estabelecidos na relação pai e filho. Toda criança que nasce possui um pai biológico. Entretanto, o simples fato de doar os espermatozoides para a fertilização de um óvulo não faz de um homem um pai. Isso porque ele não exerce a experiência do relacionamento com a criança que nasceu e muito menos, a paternagem.



A paternagem é um conceito que contrapõe e se soma a paternidade. Estamos no campo da paternidade ativa, de se responsabilizar dentro da relação pai-filho.


Falar de paternidade ativa e consciente é dialogar também sobre paternagem. É um processo que vai muito além da obrigatoriedade jurídica, do biológico, da validação pelo DNA. A paternagem envolve escolhas, reflexões, presença afetiva e envolvimento ativo na busca pela compreensão do quanto o homem mudará, frente à chegada de um filho. (RUAS, 2020)

Abade e Romanelli (2018, p. 3) versam sobre a paternagem como o ato de “suprir as necessidades físicas e emocionais dos filhos, o que inclui cuidados com alimentação, higiene, saúde, amparo e doação de afeto.” O ato da paternagem é aprendido, sendo mais efetivo na existência e na convivência das duas figuras — pai e filho. Não se pode exercê-la e experimentá-la sem que essas duas figuras se relacionem.


Sem dúvida exercer a paternidade e, principalmente, a paternagem envolve mudanças na existência do homem filius para o homo pater. Essa mudança atravessada pela masculinidade “como construção social que postula que os homens devem ser fortes, ativos, competitivos, provedores financeiros da família”. (ABADE; ROMANELLI, 2018, p. 4). O homem ao se tornar pai, deixa de ser filho. Ele precisa assumir a responsabilidade de uma família. Ao exercer a paternagem, torna-se responsável também pelas necessidades afetivas de seus filhos e filhas.


Toda e qualquer mudança pode ser acometida pelo medo, um sentimento de ansiedade sem razão fundamentada; receio frente a possibilidade de um insucesso. O medo é uma estratégia fundamental de sobrevivência, um sentimento que pode nos levar a pensar melhor, agir melhor. Entretanto, o medo pode ser paralisante e estruturante. (KARNAL, 2021)


O desconhecido pode despertar o sentimento de medo. Tornar-se pai e exercer a paternagem é algo desconhecido até que o homem viva a experiência. Ou seja, que ele tenha um filho, biológico ou não, e exerça a paternidade.


O medo nos permite criar estratégias para enfrentar os desafios. O desafio da maternidade é ensinado para as mulheres na nossa sociedade. As meninas emulam diversas situações da vida adulta, como o brincar de casinha, sendo a boneca um elemento presente, onde ela emula a maternagem. O exercício da paternagem também pode ser ensinado para os homens.


Pela brincadeira do faz de conta, a criança pode ser quem e estar onde ela quiser, criando uma representação de hábitos e costumes inerentes da cultura em que a criança se insere, logo experimenta situações diversas que poderão ser vividas em outras fases da vida, assim como outras que não sejam possíveis naquele determinado contexto de vida sociocultural ao qual pertencem. (SILVA, 2020, p. 259 - 260)

Ruas (2022), Abade e Romanelli (2018) destacam que a paternagem exige escolhas. Políticas voltadas à saúde sexual e reprodutiva masculina focam na paternidade e no direito de participarem ativos no planejamento reprodutivo familiar. A paternidade deixa de ser apenas uma obrigação legal e assume contornos morais e afetivos. Torna-se um projeto de vida. Processos como acompanhar a gravidez, o parto, o pós-parto e a socialização, a paternagem e a educação formal da criança somam ao de provedor financeiro e figura masculina. Ao se perguntar para um homem se ele deseja ter filhos, todos esses aspectos são pautados para a construção do desejo de se tornar pai.


No levantamento bibliográfico de Abade e Romanelli (2018), citam os estudos de Henningen (2010). Nele, observaram que a representação de paternidade veiculada pela mídia, subjetivamente, incorpora a identidade “de provedor e a de pai: trabalhar e ser um pai presente”. Essa mudança de postura é atribuída também a difusão de informações pelo movimento feminista que leva os homens a reflexão e “mudança dos estereótipos do pai tradicional, possibilitando o exercício de formas de paternagem mais amorosas.”


Assumir a paternagem, permeada pelos esteriótipos de masculinidade e paternidade que resumiam o papel do homem ao de provedor financeiro da família é amedrontador. Exigirá da geração de novos pais uma abertura para a experimentação, não vivida em suas brincadeiras de infância. Uma disposição para enfrentar os medos e de se reconhecer na relação pai e filho como agente cuidador, educador e estruturador da afetividade de um ser em desenvolvimento. Na ausência das experiências prévias, a prática vivida torna-se a melhor das escolas.


Referências bibliográficas

"pai", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/pai. Acesso em 27 de jul./2022.


ABADE, Flávia; ROMANELLI, Geraldo. Paternidade e paternagem em famílias patrifocais. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 26(2), e50106, 2018.


KARNAL, Leandro. REFLEXÇÕES SOBRE O MEDO: o que fazer? Enfrentar ou fugir? | Leandro Karnal. You Tube, Prazer, Karnal, 2021.


RUAS, Teresa. Teresa Ruas: "A paternagem envolve escolhas". CRESCER. Disponível em: https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Teresa-Ruas-Vida-de-Prematuro/noticia/2020/08/teresa-ruas-damos-atencao-necessaria-ao-sofrimento-paterno.html. Acesso em: 27 de jul./2022.


SILVA, Leopoldo Ortega da. Ponto de vista sobre brincar com bonecas(os) e brincar de ser boneca(o). Rev. Psicopedagogia, 2020; n° 37(113), p. 259-61.


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